Espaços de encontro e socialização: o papel dos mercados públicos na África contemporânea

Há alguns meses - em julho de 2021, um incêndio danificou parte considerável da estrutura do icônico Mercado de Kariakoo na cidade de Dar es Salaam. Projetado pelo arquiteto tanzaniano Beda Amuli e inaugurado em 1974, o Mercado de Kariakoo desempenhou por anos um papel fundamental como elemento de referência no tecido social e urbano da maior cidade da Tanzânia. Desde o fatídico incêndio de julho, muito se fala sobre o possível projeto de reforma do mercado, principalmente depois que começaram a circular as primeiras imagens do novo projeto, as quais revelam uma estrutura mais alta, com a adição de três novos pavimentos. A questão central é se a tipologia de “torre” seria realmente apropriada para este caso, considerando a natureza impopular de outros projetos de mercados “verticais” construídos em Dar es Salaam.

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África Subsaariana nos conta uma série de histórias interessantes sobre a forma como estas sociedades se organizam e de que maneira as relações comerciais tem evoluído ao longo dos últimos anos.

A necessidade de atualizar uma das mais tradicionais tipologias arquitetônicas das cidades africanas, tem se mostrado uma grande oportunidade para muitos arquitetos em toda a África, os quais procuram incorporar referências mais “tradicionais” para construir espaços adaptados a vida contemporânea nestes contextos. Não apenas no projeto de Beda Amuli para o Mercado de Kariakoo em Dar es Salaam, mas também no Mercado de Rua de Dandaji projetado pelos arquitetos do Ateliê de Masomi no Níger, há uma clara referência a elementos naturais da paisagem local, com estruturas inspiradas em árvores organizando e delimitando o espaço destes mercados.

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Dandaji Daily Market / atelier masōmī - Tahoua, Niger. Imagem © Maurice Ascani

Este último, localizado na vila nigerense de Dandaji, incorpora uma estrutura de cobertura em forma de árvores—a qual opera como um importante elemento de referência para toda a comunidade deste pequeno vilarejo. Para o projeto do Mercado de Rua de Dandaji, os arquitetos do Ateliê Misomi foram buscar inspiração na importância da árvore ancestral como elemento de referência na paisagem natural, social e urbana do Níger. Formalmente, o projeto do novo mercado incorpora elementos construídos a partir de tijolos de barro, os quais definem e organizam os espaços para os comerciantes e clientes, enquanto as “árvores” fazem a vez de cobertura, protegendo e sobrando os corredores por onde circulam os visitantes que atendem ao mercado.

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Dandaji Daily Market / atelier masōmī - Tahoua, Niger. Imagem © Maurice Ascani

O Mercado de Rua de Dandaji encontra-se instalado em uma área praticamente rural e subdesenvolvida do Níger, e em contextos como este, a tipologia de mercado público desempenha um papel mais do que fundamental na vida da comunidade local. Em cidades maiores, estas estruturas também desempenham uma função essencial na vida cotidiana de seus moradores—a importância do Mercado de Kariakoo na estrutura urbana de Der es Salaam, por exemplo, é indiscutivelmente reconhecida. Beda Amuli, que se referia a seu projeto como “um mercado africano tradicional protegido pela sombra de árvores construídas”, procurou recriar o cenário natural do tradicional mercado africano, incorporando pilares de concreto inspirados nas copas das árvores. Concluído em 1974, o Mercado de Kariakoo foi por décadas o epicentro da vida social na cidade de Der es Salaam. Mas acontece que aquela cidade já não existe mais, e assim como muitas outras metrópoles da África Subsaariana, elas precisam urgentemente de novas respostas e soluções urbanas e arquitetônicas.

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Kariakoo Market / Beda Amuli - Dar es Salaam. Imagem © Moiz Husein via Shutterstock

Der es Salaam, como a maior e mais importante cidade da Tanzânia, está passando por um intenso e constante processo de expansão urbana desde meados da década de 1970, o que fez com que o Mercado de Kariakoo rapidamente se mostrasse insuficiente em acolher os muitos comerciantes que buscavam um lugar para vender seus produtos na região central da cidade. Como consequência disso, muitos destes passaram a instalar suas barracas nos arredores do mercado como uma solução excepcional que pouco a pouco foi se tornando regra. O icônico edifício projetado por Beda Amuli tornou-se com o tempo apenas um simples figurante na magistral orquestra que toma conta da região central de Der es Salaam todas as manhãs.

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Transportation nodes and scale of market program, Dar es Salaam. Kariakoo Market shown in green. Informal stalls are represented by yellow. Imagem © Garret Gantner

Na movimentada cidade de Accra, capital de Gana, o Mercado de Makola narra uma histórica bastante similar—sendo o maior mais importante mercado público do país. Ainda assim, ele não é um mercado em si—no sentido restrito da palavra—, e sim uma rua comercial aberta. Isso porque os vendedores conseguiram estabelecer de forma um tanto organizada seus espaços comerciais junto a uma das mais importantes ruas comerciais da cidade. De forma similar ao caso de Der es Salaam, um incêndio destruiu grande parte da estrutura do Mercado de Makola em 1993, e na época, a forma como as autoridades municipais procuraram reconstruir os edifícios destruídos pelo incêndio recebeu enorme oposição da comunidade de comerciantes de Accra.

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Makola Market. Image © Ghana Travel Blog

Com o tempo, o projeto acabou sendo levado para frente, com as reconstruções mimetizando a tipologia dos demais edifícios existentes. Embora as novas estruturas contassem com instalações mais modernas, os comerciantes não consideram adequadas às suas necessidades. Questões culturais entraram em jogo e os preços dos aluguéis subiram de forma inesperada. Como consequência disso a maioria dos comerciantes optou por voltar às ruas, aonde permanecem até os dias de hoje.

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Kejetia Market - Kumasi, Ashanti Region, Ghana. Imagem © flickr user Adam Cohn under the (CC BY-NC-ND 2.0) license.

A medida que a população urbana segue crescendo rapidamente em toda a África Subsaariana, arquitetos e arquitetas tem procurado desenvolver novas soluções capazes de responder de forma mais adequada aos muitos desafios do presente e do futuro. A tipologia de mercado público, por sua vez, parece não estar precisando tanto de uma arquitetura moderna e tecnológica, e sim de espaços inspirados pelos seus contextos humanos, sociais, culturais e econômicos.

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Sobre este autor
Cita: Maganga, Matthew. "Espaços de encontro e socialização: o papel dos mercados públicos na África contemporânea" [Socialising, Commerce, and Trade: The African Market Hall in a Modernised World] 19 Dez 2021. ArchDaily Brasil. (Trad. Libardoni, Vinicius) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/972534/espacos-de-encontro-e-socializacao-o-papel-dos-mercados-publicos-na-africa-contemporanea> ISSN 0719-8906

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